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"Trivialidades" #1- Mundial 2022: A importância planetária do futebol e as violações dos direitos humanos no Qatar

Estreada a 02 de novembro de 2022, "Trivialidades" é uma rubrica mensal onde se discutem os mais diversos temas da sociedade. Artur Raposo assina este espaço.

O mundial de futebol, competição tutelada pela FIFA, organismo máximo do desporto que consideramos rei num grande leque de nações ao redor do globo, cimentou-se ao longo das últimas décadas como o evento suprassumo; unificando nações, culturas, regiões em torno de um único acontecimento.

De acordo com o jornal observador, em concordância com o que tinha sido anunciado pela FIFA, mais de 1,1 mil milhões de pessoas assistiram à final da competição na sua última edição organizada em 2018, na Rússia de Putin, tendo sido acompanhado, ao longo do período em que a competição se estendeu, por mais de 3 mil milhões de pessoas; assim conseguimos apontar que metade da população do planeta, em algum momento, assistiu a este torneio de futebol.

Numa perspetiva geral, comparando com outros eventos desportivos, a prova só tem paralelo, no que concerne à sua audiência televisiva, com os Jogos Olímpicos, tendo as edições de 2008, em Pequim, e 2012, em Londres, superado os índices televisivos do Mundial do Brasil, em 2014, e da realização inédita no continente africano, o campeonato do mundo, na África do sul, em 2010.

O futebol apresenta-se como atração primária em todos os cantos do planeta, salvo algumas exceções curiosas que têm resistido ao fenómeno; a mais relevante de todas prende-se com a falta de entusiasmo do povo norte-americano pelo que apelidam, desde há muito tempo, como Soccer.

Os Estados Unidos da América, país que, consensualmente, produz as grandes tendências culturais que tornaram a sociedade ocidental um pouco mais homogênea; falamos da música, arte e cinema e outras temáticas que influenciam diferentes faixas etárias de vários países, sendo esta factualidade registada como positiva pelos gracejam pela globalização e maior acessibilidade planetária, como também é salientada, de forma negativa, pelos que receiam a descaracterização nacional e perda gradual das tradições regionais.

Não obstante, o “american football” acaba por ter características completamente diferentes, sendo jogado, maioritariamente, com as mãos, contrariando, semanticamente, o termo utilizado para o designar; o maior evento desportivo na América do Norte, a Super Bowl, capta a atenção, em média, de 200 milhões de espectadores, estando muito atrás dos acontecimentos referidos, anteriormente.

O Mundial de 1994, realizado no mundo novo (EUA), foi visto com uma tentativa de popularizar o desporto no país, sendo que algumas alterações se verificam, não resultando, todavia, numa mudança no paradigma desportivo norte-americano.

A ampliação dos holofotes para um anfitrião que fugisse ao padrão europeu/sul-americano foi uma das razões que levou o Presidente da FIFA, à época, Joseph Blatter a apoiar, em 2009, a candidatura do Qatar ao Mundial 2022; atribuição que o mesmo iria considerar “um erro” volvidos quase treze anos.

Sepp Blatter com o troféu da copa do mundo; (AP PHOTO/ Themba  Hadebe) | D.R.


O pequeno país que irrompe pelo golfo pérsico, com uma população que não atinge os dois milhões de habitantes, denotando-se também uma falta de identificação com o desporto em questão, acabaria por ocupar a vaga relativa à organização do torneio; nos anos que se seguiram, a polémica atribuição seria manchada com as prisões de membros de várias federações pelo envolvimento incorreto que teriam tido no processo.

Não se trata da primeira vez que verificamos existir controvérsia acerca de processos dessa natureza: vale a pena relembrar o mundial de 1978, organizado na Argentina que vivia uma ditadura ou também outros momentos em que o futebol provocou conflitos de largas escalas, como, por exemplo, a Guerra das 100 horas, entre as Honduras e o El Salvador, na sequência da disputa por uma vaga no mundial de 1970 resultaria numa tensão extrapolada que provocou centenas de baixas humanas e outros tantos feridos.

Ao longo da última década, ecoaram vozes que alertavam para a inviabilidade da realização da competição numa nação que demonstrava uma deficiência na manutenção dos direitos inalienáveis da humanidade; personalidades do desporto, grandes marcas, entre outras identidades não governamentais, Amnistia internacional, vieram a público falar sobre as péssimas condições que a população migrante no país que, correspondendo a uma grande percentagem da mão de obra, enfrentava aquando da construção de infraestruturas que tinham como pretensão receber as seleções apuradas. As queixas davam conta das centenas de mortes, passando pelas condições das habitações, sobrecarga horária e, por vezes, estendiam-se à própria organização da sociedade qatari que, juridicamente, ainda condena a homossexualidade e vê a posição da mulher na sociedade como se tratando de submissa e secundária em relação ao papel do homem.

Protesto da Hummel contra as mortes no Qatar ( na construção do estádios); equipamento da Dinamarca | D.R.


Organismos como a FIFA e a UEFA acabam por carecer de argumentos credíveis que nos permitem perceber como é que as lutas que, nos últimos anos, foram acolhidas pelas mesmas, são ignoradas neste parâmetro( Mundial 2022); confirma-se a evidência que há muito suspeitávamos - a defesa dos direitos humanos e a condição humana depende muitas vezes de um parecer estratégico e económico em detrimento de um parecer moral. Falta menos de um mês para o início da competição e à semelhança do que acontece em eventos de dimensão megalómana, o barulho nos estádios e o entusiasmo ao redor deste marco futebolístico irá tapar a obscuridade das situações atrozes que se sucederam para que a “festa” se materializasse.


Por: Artur Raposo

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