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“Segunda Opinião” 267- A ficção da SIC e da TVI está em queda?

Estreada a 29 de setembro de 2014, "Segunda Opinião" é uma rubrica onde todas as semanas é abordado um assunto do mundo televisivo.

A ficção é uma das apostas principais da SIC e da TVI para preencher o seu horário nobre. Nos últimos anos, os canais privados têm contado com duas ou três novelas inéditas na faixa da noite. As produções portuguesas das duas estações, porém, já foram sucesso garantido de audiências, mas o público, com o surgimento de canais de cabo e de plataformas de streaming, tem diversas ofertas e as novelas não são o que eram em números e em qualidade.

A verdade é que a televisão tem perdido audiências nos últimos anos, o que, consequentemente, fez também baixar os resultados em horário nobre, onde são transmitidas novelas. As produções atuais ficam abaixo do milhão de espectadores e já não juntam famílias no sofá, como outrora. Não vou explorar as novas formas de consumo de conteúdos dos portugueses, mas focar-me sim na ficção que se faz atualmente em Portugal nos dois canais privados.

Com a queda de audiências, a SIC e a TVI procuraram reinventar-se. Adaptaram-se a novas tecnologias e a verdade é que, do ponto de vista técnico, as novelas têm melhorado bastante e procuram atualizar-se constantemente. Temos bons planos, boa luz e boas imagens de paisagens para “pintar” os episódios, mas o trabalho tem de continuar. Não vou enumerar, mas estou atento à ficção (e estive ainda mais nas últimas semanas para escrever esta crónica), e reparo em muitos erros de continuidade (conhecidos tecnicamente como falhas de raccord). Numa cena, vemos determinada personagem com a mão no peito, o ângulo muda e a mão está no cabelo. São pequenas falhas, que podem acontecer, mas que me parecem demasiado frequentes na ficção – ninguém vê que aquilo está mal?

Tal como referi acima, a qualidade das novelas baixou drasticamente nos últimos anos e não foi por questões técnicas. Foi sim pela "padronização" que se encontra atualmente nas tramas. Comecemos pela história central das novelas da SIC e da TVI que tem sido, frequentemente, em torno do mesmo: existe uma casa, mansão ou fazenda onde vive uma família rica e onde há um jovem/uma jovem que se apaixona por alguém cujo amor é impossível. Os pais vão fazer de tudo para os separar. No meio disto tudo, há sempre um segredo, alguém adotado e um dos membros deste amor impossível é pobre. Na maioria dessas novelas, principalmente na TVI, a trama começa noutro país e depois vemos personagens a viajar de Angola para Portugal (e vice-versa) todos os dias – porque são todos ricos e podem. Descrevi grande parte da ficção da SIC e da TVI. Antes de continuar, destaco algumas novelas que “fugiram” deste enredo aborrecido e tiveram (algum) sucesso. Na SIC, tivemos “Amor Amor” (2021), “Sangue Oculto” (2022) e, recentemente, “Senhora do Mar” e “A Herança”. Na TVI, destaco “Quer o Destino” (2020), “Amar Demais” (2020), “Festa é Festa” (2021), “Quero é Viver” (2022) e “Queridos Papás” (2023).

Evandro Gomes e Margarida Corceiro protagonizam "A Fazenda" | Foto D.R.

Salvo estas e outras exceções, o padrão das histórias é o que descrevi e quanto à escolha do elenco, também existe uma crítica a fazer. As novelas têm apostado quase sempre em protagonistas mais novos, como, e dou exemplos recentes, Bárbara Branco, Matilde Reymão, José Condessa, Margarida Corceiro e Evandro Gomes. E ainda bem que há espaço para novos talentos (e estes atores têm mesmo talento). Porém, a verdade é que parece que esta aposta em nada pretende mostrar atores mais jovens, mas sim resgatar o público mais novo que se foi "afastando" das generalistas – e isso não faz sentido, não é suficiente apostar em atores novos para chegar ao público mais jovem. A completar o elenco principal, surgem, por norma, os pais dos protagonistas, interpretados quase sempre por atores de renome, mas que não têm idade real para ser pais de pessoas daquela idade. Aparecem ali como uma “rede de apoio”, algo como: “Vamos colocar estes jovens como protagonistas para chamar ‘malta nova’, mas também há nomes mais conhecidos no elenco principal”.

E sim, a ficção não é a realidade e os atores que interpretam pais têm, na trama, mais idade, assim como os protagonistas interpretam personagens mais novas - e, de alguma forma, acaba por fazer sentido. Contudo, falta alguma credibilidade nestas escolhas. Os elencos parecem cada vez mais novos, sem espaço para um avô com “cara” de avô. Faltam cabelos brancos. Daqui a 10 anos, teremos o Lourenço Ortigão a ser avô numa novela cujo protagonista ainda não nasceu. A juntar a isto, todas as personagens parecem dividir-se entre “sou muito boazinha” e “sou um mau muito mau”. Tanto em “Cacau” (2024), como “A Fazenda” ou “A Protegida”, ainda em exibição, os protagonistas parecem iguais, só muda o ator – menos a Matilde Reymão que protagoniza duas destas (e o cabelo dela protagoniza ‘A Fazenda’, mas está “metido” na Margarida Corceiro).

As novelas ficaram “padronizadas”, com sinopses parecidas, elencos que seguem sempre a mesma lógica e personagens que são apenas aquilo. Falta diversidade e o público cansou-se. Não foram apenas as ofertas que aumentaram para o público, mas sim a SIC e a TVI que entraram em loop com a sua ficção e dali não parecem querer sair. E com isto, termino a frisar que não é a Bárbara Branco, a Matilde Reymão, o José Condessa, a Margarida Corceiro ou o Evandro Gomes que são maus – pelo contrário, abençoada geração (eu sou mais ou menos da mesma idade deles, incluiu-me no meu elogio). Não posso “apontar o dedo” a ninguém, se não aos canais que aprovam estes produtos, porque os autores se calhar até tinham outras ideias (assim espero).

Por: Filipe Vilhena

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