"Trivialidades" #6- Um dia depois da liberdade
Estreada a 02 de novembro de 2022, "Trivialidades" é uma rubrica mensal onde se discutem os mais diversos temas da sociedade. Artur Raposo assina este espaço. |
Portugal, nos tempos que corre, pode ser visto por uma grande maioria como bastante sisudo. Por entre as burocracias que ignoramos na adolescência e que agora se apresentam como tormento técnico, o aborrecimento perpetuado por papeladas e entre linhas que ditam mais sobre o nosso futuro do que realmente gostaríamos.
É demasiado obtuso da minha parte falar no presente, mas
sabendo que, efetivamente, trata-se do que testemunho diariamente que parte as
ideias que desenvolvi nos últimos anos.
Além desta nuance específica que possibilita a minha
reflexão sobre os campos laboral e social onde desenvolvi a minha experiência,
vale, igualmente, a referência que encontro nos testemunhos que colecionei; nas
observações onde assisti ao desgaste, cansaço, perseverança e sucesso de
amigos, conhecidos e perfeitos anónimos.
A guerra na Ucrânia, tratando-se, lamentavelmente, de uma
crise humanitária e carente de princípios que considerávamos salvaguardados,
talvez de uma forma ingénua e arrogante, ampliou os efeitos nocivos,
notavelmente visíveis no período pandémico.
Aquele que no estômago sente dor, pouco poderá se importar
como as vicissitudes laborais - os prazos, a pressão, o feitio deste e do
outro. A pobreza é algo que eu não consigo conceber. Nada que possa ter
experimentado, alguma vez poderá rivalizar com o terror de não ter o que dar.
Não suprimir as necessidades básicas e, eventualmente, dos que dependem de nós
parece, aos meus olhos, um dos maiores flagelos da humanidade.
Sinto-me hipócrita falando nisto, pois embora não me possa
considerar satisfeito com a situação “complicada” em que nos encontramos, não
posso ignorar os 2 milhões portugueses que vivem no limiar na pobreza.
Este grupo que não é o mesmo dos que “coletam” recibos
verdes, passo a redundância técnica, tendo formação para tão pouco retorno. Os
que não sonham, porque não lhe é permitido.
O grande grupo intermédio, vulgo classe média, que estão
entre a minoria que pode e os outros que nunca iram conseguir. São a minoria
silenciosa, com vergonha, algo solitária, e à qual o sol não tapa a peneira.
Não me atrevo a falar de política neste momento, apesar de
ser política tudo o que vivemos. Só me nos resta lutar, por nós e pelo próximo.
Ser empáticos e ajudar. Na medida em que conseguimos.
Assumir os nossos erros, que são muitos. Eu, pessoalmente,
digo, de forma redundante, que erro bastante. Mas tentaremos melhorar. Ficar
feliz pelo sucesso do próximo, aceitar conselhos e ter, igualmente, a
amabilidade de os dar.
Se um dia tiver de abandonar este jardim plantado à
beira-mar, fá-lo-ei. Não será fácil, mas se for o necessário para sonhar… assim
será.
Não havendo margem para o voar, o quão livres podemos ser no
mês da liberdade?
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