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"Trivialidades" #2- Mundial 2022: A velha dicotomia Oriente vs. Ocidente

Estreada a 02 de novembro de 2022, "Trivialidades" é uma rubrica mensal onde se discutem os mais diversos temas da sociedade. Artur Raposo assina este espaço.
 

Há um mês, escrevia-se: “(...) o barulho nos estádios e o entusiasmo ao redor deste marco futebolístico irá tapar a obscuridade das situações atrozes que se sucederam para que a festa se materializasse.” Para os que permanecem alheios ao que me refiro, tratava-se de uma perspetiva acerca de como a opinião pública se afastaria dos contornos grotescos em torno do campeonato do mundo, realizado no Qatar. Início este texto assumindo, em primeiro lugar, que estava errado.

Antes de me aprofundar acerca dos pontos onde o sentido crítico, exercido na primeira pessoa, se revelou contrário às premissas, sinto-me, primeiramente, forçado a mostrar a razão por detrás da continuidade temática. A rubrica procura corresponder a necessidade de discutirmos sobre diversos temas que nos assolam. A discussão, inerente a este evento desportivo, encontra neste seguimento uma correspondência sobre os novos dados que dispomos, o acontecimento consumado, e as várias camadas envolvidas.

Sempre ouvi dizer: “(...) é muito mais do que um desporto.” Esta é uma das frases recorrentes dos meus 25 anos de vida, acompanhou-me em várias fases do meu crescimento pessoal, passo a redundância. Recordo-me dos tempos de infância e do mar verde e vermelho que se via nas ruas, na televisão, que saltava da rádio para dentro dos transportes públicos, automóveis e residências.

Com tenra idade, percecionei um sentimento que me parece, agora, ser descrito de forma vaga, algo paupérrima; uma felicidade, êxtase, envolto num clima de união que se revelou colossal. Não sei se foi a primeira vez que me senti, irredutivelmente, alegre, mas sei que foi a primeira vez que me senti português. Talvez seja demasiado redutor descrever a experiência da forma que o faço, sabendo que daí tenha, talvez, surgido simplesmente o significado plausível do termo.

Tentarei manter uma distância saudável ao falar de nacionalismos, não sendo um conhecedor profundo do termo, modéstia à parte. Todavia, tornar-se-á necessário delinear uma linha protetora, numa época em que sofremos com o exacerbo da ideologia. A emoção, na altura, em nada me alavancou a crença de que a minha nação fosse superior a outra qualquer, mas sim que havia um coletivo que, pacificamente, coexistiam em prol de um ideal que resvala para o campo sociológico.

A memória, por vezes, atraiçoa-nos, tornando-se muito fácil embelezar eventos passados, como se jogássemos um brilho sobre as histórias que colecionamos, preenchendo, assim, as lacunas que, eventualmente, pudessem existir. Da mesma forma, alguns teóricos defendem, assertivamente, que a própria História se encontra à mercê da seleção de documentos e da interpretação que é transmitida às massas.
Gianni Infantino | Foto D.R.

Não me equiparando a uma grande entidade científica, retirei as ilações patentes na transcrição, com a qual iniciei o texto, do carrossel mediático que observamos, presentemente. Não se deverá falar de tudo o que “fede” na organização deste torneio futebolístico, como não se falou do mesmo assunto durante os doze anos anteriores. Como não se fala já tanto da guerra na Ucrânia, da crise no Iémen ou da Covid em Portugal.

Será considerado um pouco ingénuo, até desonesto da minha parte, não compreender que não é, humanamente, possível reportar tudo o que se passa no mundo. Existe um critério que faz com que determinados acontecimentos sejam reportados em detrimento de outros: a proximidade geográfica, a urgência do tópico, além de fatores culturais e económicos.

Interpreta-se como incorreto pensar que a luta por uma determinada causa deve ser colocada em cheque por uma alegada “ignorância intencional” sobre outro assunto sensível. O famoso: “então e disto não falam?” - argumento que procura, constantemente, desvalorizar uma luta na sua génese - procurando questionar a motivação de quem protesta.

Gianni Infantino, presidente do organismo que tutela o futebol, FIFA, terá procurado isso mesmo quando referiu “o castigo por 3.000 anos do continente europeu pelas atrocidades que cometeu durante séculos”. Foi leviano, da parte do dirigente suíço, não reconhecer o trabalho das democracias europeias (nem todas, é certo), com as diversas imperfeições que dispõem, pelo reconhecimento dos atos referenciados.

Podemos dispor de uma cultura abrangente que não nos esconda o papel do tráfico negreiro no império colonial português, o que se viveu no Congo Belga no início do século XX, ou, então, as incursões espanholas na América latina. Não esquecendo também o que se sabe sobre o tratamento das comunidades aborígenes, na Austrália, por parte do império britânico. Não é preciso desbravar terreno informativo para nos colocarmos a par do passado histórico europeu; efetivamente, (já) não nos tentam esconder o que ocorreu.

Nos tempos atuais, conseguimos encontrar penalizações no código alemão, visando a referência direta ao nazismo. Nunca será uma tentativa do ocidente em estabilizar o oriente, quiçá, provocando uma mudança de paradigma ou controlo sobre uma culturas e tradições milenares. Os valores nunca se irão zelar por não aceitarmos a individualidade de cada um. A bandeira do amor nunca poderá ser símbolo da opressão.

Trata-se de nos sensibilizarmos com os povos orientais por serem usados como engodo por uma organização que defende que o desporto deve ser para todos, a inclusão, quando só foram em busca do deserto catari porque o dinheiro não tem cor, tal como o respeito pelo próximo.

Por: Artur Raposo

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