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"Segunda Opinião" #232- "Viagem a Portugal": Os brasileiros falam português?

Estreada a 29 de setembro de 2014, "Segunda Opinião" é uma rubrica onde todas as semanas é abordado um assunto do mundo televisivo.

A RTP1 estreou no passado dia 22 de outubro o programa "Viagem a Portugal", que pretendia percorrer o país através da obra de José Saramago. Em estilo de série documental, o formato de seis episódios propunha-se a explorar de forma descontraída e divertida os lugares, as paisagens, a arquitetura e as gentes que fizeram parte dos passos do Nobel. 

Tal como explica a RTP, "este é um programa que se enquadra nas comemorações do centenário do nascimento de José Saramago e assinala também a reedição da obra editada exatamente há 40 anos, que surge agora com uma edição especial, que inclui imagens inéditas recolhidas pelo próprio autor, José Saramago". O rosto escolhido para "Viagem a Portugal" foi o humorista brasileiro Fábio Porchat, uma opção nada consensual... Um dos espectadores escreveu o seguinte nas redes sociais: "Só podem estar a gozar.... Este fala espanhol ou portunhol, como dizia o Bolsonaro". Um comentário que se refere ao sotaque de Fábio Porchat como sendo algo negativo, quando na verdade todos sabem (ou deveriam saber) que tanto em Portugal como no Brasil, se fala... português. Para além das estreitas ligações ao longo da história, ambos os países partilham a mesma língua. Contudo, este espectador não foi o único a ficar descontente: "Gostei muito do programa, pena ter sido feito por um brasileiro. No entanto também acho que não há português que seja capaz de o fazer com aquela ligeireza, graça, descontração e alegria". Neste caso, este espectador aprecia o estilo de Fábio Porchat, mas tem "pena" de ele ser brasileiro. 

Fábio Porchat é um humorista brasileiro | Foto D.R.

O "problema" para estes e tantos outros espectadores, não era a prestação do apresentador, mas sim a sua língua. E num programa que explora a vasta obra de José Saramago, é incrível que existam pessoas que critiquem esta escolha, uma vez que a escrita deste autor é um marco, não só em Portugal, como para a língua portuguesa - que incluí o Brasil e tantos outros países. É aceitável que muitos não gostem de Fábio Porchat ou não gostassem que a RTP escolhesse o Vasco Palmeirim para apresentar o formato, mas a língua ser um obstáculo, é criticável. A escolha da estação pública incidiu sobre um rosto brasileiro precisamente para iniciar este diálogo sobre a língua portuguesa e a sua extensão além-Portugal. O público aprecia muito as telenovelas brasileiras, os programas que têm alguém do Brasil, porque "são todos muito engraçados", mas quando é para apresentar um formato de cultura, um rosto do Brasil tem menos credibilidade? Deixo esta pergunta no ar. 

Comentando a prestação do humorista, foi realmente descontraída a forma como apresentou o formato e como foi inserindo piadas e momentos divertidos, trazendo uma leveza ao "Viagem a Portugal". Esse fator contribuiu para atrair espectadores que, à partida, não iriam ver um programa que falasse de literatura e Saramago e, para além disso, foi uma maneira de fazer chegar este Nobel à comunidade brasileira que vive em Portugal. O maior erro do formato, foi talvez a forma pouco profunda como explorou alguns locais e temas, mas seis episódios acabam por se tornar pouco para tantos pontos de destaque - e quem sabe não existam mais temporadas do programa. Nesta aposta, fomos do Nordeste a Noroeste, do Sado ao Mondego, do Alentejo ao Algarve, entre tantos outros sítios. Percorreram-se Conventos e tantos outros locais emblemáticos e tão portugueses. Foi uma viagem que honrou e dignificou o trabalho de José Saramago.

Num momento em que a televisão "sofre" pela monotonia de novelas e "Agricultores" que querem "desencalhar", "Viagem a Portugal" foi uma excelente aposta da estação pública. As audiências foram positivas e espera-se que o canal continue a colocar no ar esta vertente de entretenimento mais educativo, para além de quebrar alguns tabus que ainda temos na sociedade. Que a língua de Saramago, Dolores Aveiro, Anitta ou Bonga, continue a chegar longe, sem preconceitos, porque afinal de contas: somos todos diferentes, mas muito iguais. E a televisão precisa de colocar em antena pessoas com sotaques, sejam elas brasileiras, madeirenses ou alentejanas.  

Por: Filipe Vilhena

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