"Segunda Opinião" #168- "A Serra" é um mau «bloco de gelo» nas noites da SIC?
Estreada a 29 de setembro de 2014, "Segunda Opinião" é uma rubrica onde todas as semanas é abordado um assunto do mundo televisivo. |
A SIC estreou há dias a sua nova novela da noite, que vem suceder a "Terra Brava". De seu nome "A Serra", a produção tem liderado as audiências, mas será que lidera em qualidade?
Será bom começarmos esta crónica a falar da sinopse da novela. Uma jovem pobre que se apaixona por um jovem rico, que tinha uma relação com uma mimada, filha de uma mulher poderosa. Será que existe sinopse mais cliché que esta? Aqui já entendemos que a novela vai ser só mais uma. Não traz nada de novo e é envolta em momentos forçados entre os protagonistas. Vemos Júlia Palha no papel de «pobre, que até é boa pessoa» e que usa um óculos que achou a SP Televisão e a SIC que acentuavam o seu ar de «coitadinha». Já o José Mata é o galã que usa roupas finas e que deslumbrou a «pobre» no primeiro episódio e vão viver um amor impossível. A personagem dele é um «rico que até é boa pessoa, mas que está comprometido com uma mulher má». Chegamos então à Carolina Carvalho, a «mimada» que acha que só há um homem no mundo: ela quer aquele, é aquele! A Sofia Alves, fechando o núcleo principal, está meio perdida numa vilã bem interpretada, que está inserida numa má novela.
Quanto ao restante núcleo, temos claramente um retrocesso na ficção em Portugal, que em muito foi quebrada com "Terra Brava" e "Amor Amor", da SIC. Temos os «pobres que são boas pessoas, mas pouco inteligentes» e os «ricos poderosos que mandam em tudo e até vivem em hotéis». No primeiro episódio parece que estamos perante uma novela de 2010. Os «pobres» não sabem que para fazer um negócio têm de assinar um contrato e os ricos vivem num hotel. Onde andam as quintas e as mansões com uma empregada que tem sempre um grande segredo? "A Serra" não conseguiu mostrar, como as novelas mencionadas acima, que a conta bancária não define a inteligência de uma pessoa. As personagens são autênticos círculos, unidimensionais, e não saem daquele registo que já vimos.
Talvez a SIC queira fazer uma ficção tradicional, mas o que fez foi uma ficção ultrapassada com "A Serra". Nas novelas que vemos hoje em dia - e "Amar Demais" da TVI é um exemplo - os vilões não são só más pessoas e as boas pessoas podem ter atitudes de vilão. As telenovelas ganham maior realidade assim. A culpa não é das interpretações dos atores, mas das personagens que lhes são atribuídas. Por falar em atores, parece que estamos a assistir a "Golpe de Sorte" versão Serra da Estrela. A maioria do elenco desta trama vem da série ou de "Terra Brava". A ficção da SIC destacou-se numa altura em que a TVI apostava sempre nas mesmas caras e, neste momento, está a perder isso, enquanto a concorrência lança José Condessa, Bárbara Branco, São José Correia, Ana Varela e Graciano Dias como protagonistas das suas novelas. Vemos, por exemplo, Maria João Abreu em "A Serra", após ter deixado de aparecer no ecrã dias antes com "Golpe de Sorte". Não há descanso da imagem.
Ainda no elenco, para além das personagens pouco exploradas dos protagonistas, o que aconteceu aos mais velhos? Tanto a SIC como a TVI nos tem mostrado sempre novelas com jovens a protagonistas, complementados com um nome da «velha-guarda». A aposta em novos nomes é excelente, mas parece que os canais querem agradar aos jovens e escolhem os atores mais famosos das redes sociais para serem protagonistas (isto sem lhes tirar o mérito!). Há uma necessidade de trazer novo público e as privadas estão atentas a quem se destaca junto do público jovem. Mas não é correto este pensamento. Atores como a Carla Andrino, Fernando Luís, Manuela Couto, Márcia Breia, entre tantos outros de "A Serra" poderiam ser protagonistas. E isso não acontece ou quando acontece, há sempre jovens a ter uma história de amor e estes «velha-guarda» são os pais ou avôs dos protagonistas. Saudades dos tempos de "Sol de Inverno", "Poderosas" ou "Rainha das Flores", com histórias mais «maduras» e muito além das típicas paixões de jovens adultos, onde a vilã ou vilão é somente mimado.
Para além de tudo isto (já a crónica vai longa!) não podemos deixar de falar nas semelhanças com "Bem Me Quer". É certo que Daniel Oliveira já veio dizer que a SIC começou antes e «mandou» para a TVI as culpas. Mas a verdade é "Bem Me Quer" começou primeiros e os espectadores valorizam isso, ou seja, quem vê as duas tramas, entende que foi a SIC a copiar. Apesar do canal confiar na sua história, num mercado tão competitivo e pequeno, não dava para mudar uma vírgula no argumento? As histórias são semelhantes, o pano de fundo da novela também (ai já seria difícil a SIC mudar) e até o núcleo protagonista tem as mesmas características - apesar da TVI ter dado maior realidade às suas personagens.
Tenham calma que está a acabar. Mas vamos falar da serra e da neve da novela? É notável que algumas gravações são sim na Serra da Estrela, mas outras são noutra serra qualquer. O que interessa é que seja numa serra ou vá... na loucura... uma lomba da estrada pintada de branco. Já a neve da novela, é feita com algodão, aquele que as senhoras usam para tirar o verniz. O nevão foi das piores cenas de caracterização que a SIC fez. Nada parecia visualmente real.
Em termos de audiências, "A Serra" parece agradar aos espectadores. Mas a verdade é que "Amor Amor" a ajudou muito. Talvez os espectadores da SIC queiram mesmo este tipo de história, contrariando a que oferece a outra novela seguinte, "Tempo de Amar" ou "Totalmente Demais".
Por: Filipe Vilhena
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